1 - A Cruz desnuda
A santa Cruz, venerada na ordem
Teatina deste de sua fundação, assumiu na nossa espiritualidade um lugar de
destaque tão grande que passou a nos identificar, se posso atreve-me; aquilo
com o qual nos identificávamos como cristãos passou a ser nossa identidade.
Assim pois um teatino é aquele que sabe ver a Cruz, assim como nossos
fundadores, não como sinal de morte e sofrimento, mas como sinal de
mudança,símbolo de uma fé que busca nas dificuldades do dia a dia a luta que
garante a salvação e a gloria de Deus que nos criou, que nos ama e nos quer
junto de si.
Para melhor expressar melhor seu
significado transcrevo:
“Não existem dias tão solenes e significativos como o do nascimento de
nossa Companhia. A decisão de funda-la foi tomada na festa da Invenção da Santa
Cruz, e procurou-se fazer coincidir sua feliz realização com o dia da gloriosa
Exaltação da Cruz. A Cruz acolheu em seu regaço a nossa Companhia apenas
nascida, e era justo que nascesse em tão gloriosa data uma companhia que
professava pobreza absoluta como a de Cristo na Cruz, que pregava a
mortificação da Cruz, e que parecia tornar descobrir e a exaltar a Cruz, a
reinstaurar a austera forma de vida apostólica em uma nova família clerical.
Por isso, estas duas celebrações da Cruz foram simples objeto de especial
veneração entre nós, que nunca desejemos ser condecorados com outro brasão ou
insígnia que não fosse a Cruz. Este é o distintivo oficial de nossa congregação;
esta é a insígnia de nossas casas e de nossos templos, de nossas alfaias
sagradas e domesticas de modo que os Clérigos Regulares podem ser chamados de
Religiosos da Cruz, como eram chamados os antigos cristãos, como afirma
Tertuliano”.
Uma expressão que muito bem
sintetiza essa espiritualidade enraizada na Cruz de Cristo foi elaborada pelo
espanhol Pe. Jerônimo de La Lama, quando no dia da profissão dos primeiros
teatinos,ao final da Santa Missa celebrada no altar de Santo André, o
cerimoniário da Basílica de São Pedro fez vir a Cruz processional que
conduziria nossos fundadores até o altar da confissão na mesma referida
Basílica:
“Desta maneira vieram no dia da Santa Cruz, atrás da Santa Cruz, para
abraçar o caminho da Cruz” (in die sanctae Crucis, post Crucem, ad amplexandam
viam Crucis).
Nosso pai fundador, São Caetano,
sabiamente disse quando de sua ordenação presbiteral: “Torna-se sacerdote é ligar minha vida à Cruz de Cristo”! Essa
expressão nos demonstra claramente qual é a espiritualidade sacerdotal de nosso
pai e nos aponta o caminho para qual deveria estar orientado nosso coração e
nossas forças: fazer-se um com Cristo crucificado!
Apresento o desenvolvimento deste
emblema para os teatinos dos primeiros séculos:
Século XVI – a cruz se torna
símbolo de todos os reformadores;
1533 – Pe. Caetano é designado
para a fundação da casa em Nápoles e aos pés da Cruz implora a Deus um
companheiro que soubesse crucificar sua vontade, o que lhe é enviado o Pe. João
Marinoni ;
Dom João Pedro Carafa escreve que
foi decidido que nenhum emblema secular fosse posto nas igrejas teatinas a não
ser a Cruz sobre o trimonte;
1536 – o trimonte encimado pela
cruz desnuda já aparecem nos documentos;
1549 – carimbo de madeira usado
por Santo André Avelino para lacrar cartas oficiais da Ordem;
1562 – Dom Paulo Burali D’Arezzo
escreve para o capitulo que havia proibido colocarem brasões particulares na
Igreja de São Silvestre no Quirinal porque não era costume da Ordem;
1570 – Pe. João Marinoni impede
que seja colocadas outros emblemas em São Paulo Maior que não fosse a Cruz,
1573 – A cruz sobre um trimonte
heráldico é esculpido nas portas da Casa de São Silvestre no Quirinal de Roma;
1578 – Dom Marcelo Maiorana
chegou à sua diocese de Cotrone a pé e carregando uma grande cruz até a
cadetral
Século XVII – o emblema teatino é
esculpido nas laterais da Basílica de Santo André Della Valle;
1609 – a Primeira Historia
dos Clérigos Regulares, o autor João
Batista Del Tufo traz como símbolo a cruz sobre o trimonte e a coroa de
espinhos;
1628 – o símbolo teatino vem
estampado nos comentários ás Constituições do Pe. Carlos Pellegrino;
1680 – na fachada da Igreja de
São Caetano em Florença junto ao brasão
teatino foram postas as figuras de duas mulheres, uma simboliza a pobreza e a
outra a confiança em Deus;
Na primeira metade do século XVIII
é esculpido o emblema teatino na Igreja de São Caetano em Vicenza com o
acréscimo da inscrição “INRI” e com a coroa de espinhos, tendo a seguinte
exortação: “Reparaste o estandarte do universo, emblema dos Clérigos
Regulares”.
2 - A Cruz na espiritualidade
de nosso pai São Caetano
Para nosso fundador a cruz é um
verdadeiro convite a uma mudança de vida e a uma profunda configuração com o
Cristo que nela se deixou pregar por amor a nós e apara nossa salvação. São
Caetano acreditava que militando sob a Cruz de Cristo se poderia vencer toda má
inclinação, toda imperfeição, sem tréguas nem descanso, progredir sempre para
Deus. Aos que se apresentava para ingressarem na Ordem ele exortava:
“Aqui só existem os que procuram o Cristo Crucificado”.
“Aqui vivemos congregados sob o jugo da Cruz”.
Nas frases acima citadas, São
Caetano não quer dizer aos que chegam
que a vida é sofrimento e desalento, amargura e tristeza, mas sim que a
vida sob a Cruz é de luta que leva a vitoria, morte que leva a ressurreição,
esperança que nos une a Cristo.
Novamente transcrevo aqui algumas
linhas da obra “Teatinos” que expressão muito bem a espiritualidade de nosso
fundador:
“Para Caetano, a Cruz é o principio de toda reforma, é a sementeira de
toda colheita, é o lugar de toda renovação e a condição de toda ressurreição”.
“Para os teatinos a Cruz é a estrutura interna que mantém toda
atividade e irradiação do sacerdote reformado. O seguimento de Cristo é para os
teatinos, a imitação do Cristo crucificado, e esta coincide para eles com a
vida religiosa”.
Um trecho da carta de nosso
cofundador Bonifacio De’Colli expressa bem o sentimento dos quatro primeiros
teatinos e os requisitos para quem pretendia se unir a eles:
“Aprenderá através da experiência de cada dia, qual é o sentido e a
força da palavra do Senhor que diz: Aquele que deseja vir atrás de mim,
negue-se a si mesmo, tome a sua Cruz e me siga, entretanto pela porta estrita e
caminhando pelo pranto da penitência até chegar às praias de uma caridade sem
fim”!
O retorno ao Evangelho é sempre
um retorno à Cruz e os grandes reformadores sempre foram homens da Cruz. Para
os teatinos era programa da reforma interior, pela qual se deve começar
infalivelmente, até a da igreja. O caminho para a reforma do ser e da Igreja é
um só: a Cruz!
Muito se diz que sempre um santo
guia outro santo, assim sendo, nosso pai Caetano se deixava conduzir pelos
escrito de um padre do deserto chamado João Cassiano e do qual se acredita ter
extraído de suas “Colações” uma síntese espiritual e que mais tarde toda a
Ordem assumiu para si: a Cruz, a perfeição evangélica e a confiança na
providência.
3 – O trimonte
Ainda em nosso emblema se
encontra sob a Cruz três montes os quais podemos atribuir diversos
significados:
- a Santíssima Trindade;
-os votos que caracterizam a
maioria dos institutos religiosos: pobreza, castidade e obediência;
-os três sustentáculos da vida
religiosa: a palavra de Deus, os Sacramentos e a devoção à Virgem Maria;
Mas aqui, quero me ater a um
simbolismo que um sacerdote, Pe. João Maria de Cortesis contemporâneo dos
primeiros teatinos intuiu na vida daquela comunidade de homens profundamente
ligados à Cruz:
a)- O desprendimento: viver
desapegado de tudo e todos, possuir como se nada tivesse, não ater o coração a
nada, senão a Deus e ao cumprimento de Sua Vontade;
b)- A radical pobreza: coração livre de todo apego terreno, pronto
para deixar um local e partir em missão para outro;
c)- A confiança em Deus
providente: nunca esperar em suas próprias forças, sempre se abandonar ao Pai
do céu que nos ama e sabe de nossas necessidades.
4 – “Buscai em primeiro lugar
o Reino de Deus...”
Este trecho do Evangelho de
Mateus (Mt 6,33a) nos convida a não nos atermos a coisas passageiras, coisas
que perderemos e que nada poderemos fazer para prolongarmos sua existência. Só
o Reino de Deus vale a pela ser instaurado, só ele pode corresponder às nossas
aspirações de paz, felicidade, alegria, amor, caridade perfeita, tudo o mis que
possa vir a fugir disso leva a frustração e decepção porque não tem base solida
e alicerce seguro. Deus é o idealizador desse Reino, mas nós somos seus
construtores que a cada gesto de caridade, amor, perdão, acolhida o vai
edificando nesta terra para o consumar no céu!
5 – “...e a sua justiça, e
todas as coisas vos serão dadas por acréscimo!”
Essa segunda parte deste chamado
de Cristo no mesmo Evangelho (Mt 6,33b) nos pede para buscarmos a justiça deste
Reino. Ora mas qual seria a sua justiça? O apóstolo Paulo nos reponde na sua
carta aos Romanos (Rm 14,17-19):
“Pois o Reino de Deus não é
comida e bebida, mas é justiça e paz e alegria o Espírito Santo. Quem serve
assim a Cristo agrada a Deus e é estimado pelos homens. Portanto, busquemos
tenazmente tudo o que contribui para a paz e a edificação de uns pelos outros”.
Assim por justiça entendemos dar
ao outro aquilo que ele merece, ou seja, não na nossa medida, mas na medida em
que o outro o tem direito, Deus age da melhor forma nos dando todos os dons
necessários para uma vida digna e saudável, mas fica sempre na nossa decisão o
que faremos desse dom, podemos exercer a justiça do Reino no momento em que nos
deixarmos conduzir por essa palavra que quer nos fazer viver em plenitude.
A alegria que vem do Espírito
Santo não se configura nunca com essa alegria passageira e fugaz que o mundo
nos apresenta e insiste em nos impregnar. A alegria que vem Deus é algo que nos
transforma e nos leva a buscar a felicidade do outro e a enxergar no outro a
presença de Deus! Quem é feliz no Espírito Santo não se deixa arrastar por
coisas mesquinhas mas, independente do exterior traz em si algo de belo e vivo
que só quem espera em Deus pode demonstrar.
6 – Conclusão
Creio que nossos fundadores
escolheram esses sinais para expressarem a missão que a nova companhia queria
empreitar: renovar-se para renovar a Igreja, desapegar-se completamente de todo
vinculo que possa destruir o homem e sua dignidade, ligarem-se a Cristo de
forma intima e completa assumindo sua Cruz e missão, anunciar, e mais que isso,
instaurar com a Força do Espírito Santo o Reino de Deus já aqui, na justiça, na
paz, fazendo-se sinais de uma profunda reforma, que mais do que na estrutura,
seria do próprio ser cristão voltando às fontes e vivendo na sinceridade de sua
vocação:
“Pobres de tudo, desnudos de
qualquer recurso próprio, vivendo do amor de Deus!”
Sem. João Amaro
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